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Com uma classe docente
desvalorizada e maltratada, longe vão os tempos em que os professores
"brilhavam" e em que a escola era considerada uma "fonte sagrada".
A escola é fonte sagrada
De sacrossanta bebida
Bebei todos desta fonte
Na primavera da vida
Nas Horas Vagas, Joaquim Moreira da Silva
De sacrossanta bebida
Bebei todos desta fonte
Na primavera da vida
Nas Horas Vagas, Joaquim Moreira da Silva
Assim valorizava a escola e a
profissão docente o poeta popular Joaquim Moreira da Silva, nascido em
1886 e falecido em 1960. Não tendo podido ir à escola em criança, por
precisar de trabalhar desde pequeno, frequentou um curso noturno aos 18
anos, após o que leu avidamente e adquiriu uma vasta e diversificada
cultura. A leitura merecia-lhe uma grande admiração e proclamava que:
As letras do alfabeto
Sabendo nós compreendê-las
Dão-nos luz, muito mais luz
Do que todas as estrelas.
Nas Horas Vagas
Sabendo nós compreendê-las
Dão-nos luz, muito mais luz
Do que todas as estrelas.
Nas Horas Vagas
Sobre os professores, que distinguia como profissionais de grande importância, afirmava que eles "Brilham à luz da razão".
Longe parece terem ficado os
tempos em que aos professores era reconhecido grande mérito social. A
desvalorização social da profissão docente tem vindo a agravar-se e o
ano que recentemente terminou marcou fortemente a degradação da sua
imagem.
Preguiça, incompetência,
oportunismo, falta de profissionalismo, fuga ao trabalho são algumas das
características que as mensagens provenientes do Ministério da Educação
foram deixando passar para a opinião pública. Das várias ideias que
foram lançadas ou reforçadas, retomarei duas: os professores trabalham
poucas horas, os professores são os responsáveis pelo abandono escolar
dos alunos. Deixarei de parte, por agora, a ideia gravíssima e incorreta
de que os professores são os únicos responsáveis pelo insucesso
escolar.
Omitindo que os professores
precisam de preparar as suas aulas, de estudar continuamente para
aprofundar os seus conhecimentos da matéria que ensinam e de outras
áreas fundamentais ao exercício da sua profissão, de corrigir trabalhos e
de realizar um sem-número de outras tarefas fora das aulas, o
Ministério da Educação foi reforçando a ideia, previamente existente na
opinião pública, de que os professores trabalham pouco, limitando-se a
"dar umas horitas" de aulas. Assim surgiram as aulas de substituição,
bem mais desgastantes do que uma normal, no tempo de redução da
componente letiva que, devido à idade, ia sendo atribuída por
reconhecimento do desgaste que a profissão acarreta. Assim se vão já
levantando vozes sobre a ocupação dos professores nas interrupções
letivas do Natal, do Carnaval e da Páscoa (como se não estivessem
sobejamente ocupados na preparação e realização de reuniões de avaliação
e na preparação do período escolar seguinte).
Quanto às aulas de
substituição, elas padecem de uma indefinição terminológica. Quando se
fala com pais e encarregados de educação, trata-se efetivamente de
aulas, para que saibam que os seus filhos estão ocupados com aulas
sempre que estão na escola. Quando se fala com professores, não existem
aulas de substituição que, por artes mágicas, se transformam em
atividades de substituição, para poderem fazer parte da componente não
letiva. Não questiono as vantagens da ocupação plena dos alunos, mas
tão-só a forma como ela se tem vindo a efetuar e a desvalorização da
imagem dos professores - pouco trabalhadores - que ela traz implícita.
Quanto ao abandono escolar, a
responsabilidade exclusiva dos professores neste grave problema é
afirmada pelo Ministério da Educação ao apontá-lo como critério a ter em
conta na avaliação dos docentes. A minha experiência mostra-me que o
facto de o abandono escolar não ser maior deve-se à intervenção de
professores e de outros profissionais, como, por exemplo, os psicólogos
escolares, que ultrapassam as suas funções e desdobram-se em esforços
para conseguirem levar muitos alunos à escola, realizando, por vezes,
verdadeiros "milagres". Deparam-se esses profissionais com famílias
completamente desestruturadas pela miséria, pelo desemprego, pela
doença, pela prisão de pais e/ou irmãos, pela droga e por outros
flagelos e lutam contra a falta de apoios institucionais e sociais.
Noutros países, existem medidas de apoio às famílias e os pais são
responsabilizados pela assiduidade dos filhos, sendo tomadas medidas
para que exerçam as suas funções parentais. No nosso país, essa
responsabilidade sobra para os professores.
Estes são alguns dos aspetos
da desvalorização da profissão docente que marcou o ano de 2007. Outros,
bem mais graves, caracterizam o estatuto da carreira docente que o
Ministério da Educação aprovou solitariamente, contra todos os
sindicatos e contra os milhares de professores que se manifestaram das
mais diversas formas. O ano de 2007 começa de uma forma nada auspiciosa
para a educação em Portugal. Com uma classe docente desvalorizada e
maltratada, longe vão os tempos em que os professores "brilhavam" e em
que a escola era considerada uma "fonte sagrada".
Ainda vale a pena ser professor? Mesmo para quem gosta muito da profissão (como é o meu caso), vai sendo cada vez mais difícil conseguir encontrar argumentos positivos para colocar no prato "sim" da balança em contraponto aos sucessivos e rudes golpes que a profissão tem vindo a sofrer e que a fazem inclinar para o prato do "não". Por mim, ainda consigo incliná-la para o "sim", mas... por quanto tempo?
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